J.S.Bach, um mestre da educação

Conheça as obras de Bach

Se você não sabia que ele havia sido um dos principais professores de seu tempo, não se preocupe. Apesar de famoso por seu talento musical, poucas pessoas sabem de sua habilidade para o Ensino. O episódio narrado, apesar de pitoresco, é uma exceção na conduta de Bach. Nada deixou escrito sobre suas aulas de música, mas sabe-se que, apesar de paciente com os bons alunos, não tolerava os relapsos. O que chegou aos dias atuais são os relatos de sua segunda esposa, Anna-Madalena Bach, em suas "Memórias".

Obviamente suas técnicas de ensino estavam voltadas para a música, mas nada impede que elas sejam aplicadas no cotidiano da aprendizagem. Prova é que, observando sua prática docente, vemos o esboço de muitos sistemas da atualidade, procedimentos que futuramente fariam parte de técnicas tão diferentes quanto a Gestalt e a pedagogia de Célestin Freinet.

Bach utilizava técnicas de ensino muito avançadas para seu tempo. Em uma época em que a escola tradicional começava a se organizar e o Ensino era centralizado no professor, o músico desenvolveu um sistema que desafiava esses modelos. "O método de composição preconizado por Sebastian diferia inteiramente das rígidas regras prescritas por outros mestres", escreveu Anna-Madalena.

A prática educacional de Bach era centrada nos alunos. Apesar de parecer comum aos cidadãos do século XX, naquela época a Educação era considerada a transmissão de conhecimentos por parte do professor, o que faz do método bachiano uma inovação. Ao que se sabe, ele procurava despertar no aluno o gosto pelos pontos da matéria, fazendo com que cada trecho fosse o mais interessante possível.

Bach, explica sua mulher, "dispunha de vários métodos de ensinar e adaptava seus métodos à capacidade de cada aluno", se recusando a derramar sobre os discípulos conhecimentos inúteis. Desenvolvia lições e exercícios individuais. Quando percebia que alguém enfrentava dificuldades em determinado ponto, não hesitava em escrever outro exercício, enfocando o problema em questão de outra maneira, "apresentando a dificuldade de forma mais clara e atraente".

É comum associar exercícios a atividades enfadonhas, que apenas atrapalham a vida do estudante. No caso de Bach isso não é verdade. "Ele escrevia para seus alunos trechos encantadores que lhes permitiam vencer certas dificuldades ao mesmo tempo em que se entretinham", conta Anna-Madalena. Dentre os exercícios que escrevia para os alunos estão muitas de suas obras-primas, como as Invenções a duas e três vozes, o primeiro volume de O Cravo Bem-Temperado e o Pequeno Livro para Órgão.

Muito antes de alguém falar em arte-educação ou na criatividade como método de aprendizado, Bach já utilizava essas técnicas. Ao mesmo tempo em que ensinava, procurava despertar nos alunos o gosto pela criação. Um bom músico deveria ser ao mesmo tempo um bom intérprete e um bom compositor. A técnica utilizada era simples: o aluno era levado a escrever suas próprias músicas, apenas com a supervisão de Bach, que tirava as dúvidas e, eventualmente, corrigia algum erro na composição.

Para escrever e executar músicas próprias era preciso conhecer teoria musical. Ao sentir necessidade de exprimir seu pensamento, de criar, mas sem ter os meios necessários, o aluno percebia que a teoria também era importante. A criatividade era estimulada ao mesmo tempo em que o aluno percebia a utilidade da teoria.

O músico antecipava, com isso, alguns pontos da pedagogia Freinet (1896-1966) Esse em educador francês utilizou uma técnica que preconiza, entre outras coisas, o estímulo ao desenvolvimento da criança através de propostas práticas, em que o aprendizado ocorre na medida em que o conhecimento se torna necessário para a realização de uma atividade. No caso do método Freinet, as crianças são estimuladas a fazer um jornal no qual relatam suas experiências. Para fazer isso precisam escrever corretamente, conhecer os assuntos que seriam tratados, etc. Ou seja, percebem a utilidade do conhecimento, que deixa de ser abstrato, restrito aos livros, para ser aplicado em seu cotidiano. Bach, dois séculos antes, fazia uso de um método semelhante para estimular seus alunos ao estudo. Estimular a criatividade, para ele, significava também respeitar o estilo de cada um. Prova é que cada um de seus filhos que seguiram a carreira musical tomou rumos diferentes na composição.

Para estudar um filme, é suficiente assistir a apenas uma cena? Para conhecer "A Montanha Mágica", basta ler um parágrafo do livro de Thomas Mann? E para entender uma música, seria o bastante ouvir uma frase?

Se as respostas parecem óbvias, é bom lembrar dos inumeráveis "resumos" e "trechos escolhidos" de autores célebres que são empurrados aos estudantes em vésperas de exames, como se fosse possível, pela simples leitura de um trecho, conhecer um autor. Bach já tinha percebido que não se pode ensinar apenas com partes do todo. Era preciso, segundo ele, que os alunos conhecessem a música completa, a melodia, a harmonia e o ritmo, em vez de estudarem apenas fragmentos.

O músico começava suas lições fazendo com que o aluno percebesse as diferentes partes que compõe uma música. Bach nunca começava a ensinar música pelas melodias simples, sem acompanhamento. Ao contrário, fazia com que o estudante tivesse uma percepção global da obra musical, os efeitos, as características, para somente então proceder ao estudo e compreensão das partes. Bach acreditava que se a música fosse apreendida em seu conjunto seria mais fácil para o aluno entender, num segundo momento, os elementos que a compunham.

Quando Bach dizia que se o aluno não compreende a totalidade da música não compreenderá suas partes, já adiantava um conceito básico da Gestalt, segundo a qual os estímulos – uma nota musical, uma letra – só são percebidos em contraste com outros estímulos – as outras notas de uma melodia, outras letras de uma frase. A Gestalt, desenvolvida na década de 20 por Wolfgang Kohler e Kurt Koffka, psicólogos alemães, afirma que a aprendizagem acontece quando o aluno percebe o todo, o conjunto dos elementos apresentados.

O que conta mais: um bom teórico ou um bom prático? Deve-se formar o aluno com uma sólida base de conhecimentos ou apenas prepará-lo para exercer funções da melhor maneira possível? Essa aparente contradição entre o saber e a prática inexiste no modelo bachiano. Para Bach, o teórico e o prático são a mesma pessoa.

A teoria de seu método provinha diretamente de sua experiência como intérprete. Ele nunca teorizou pelo simples prazer de especular – ao mesmo tempo que suas técnicas de interpretação progrediam conforme as necessidades de sua reflexão teórica. Para ele, não adiantava conhecer teoria literária ou modelos matemáticos se o aluno não fosse capaz de escrever um romance ou resolver uma equação. Ao mesmo tempo, mostrava que não era possível resolver a equação ou escrever qualquer coisa sem conhecer a teoria. Esse procedimento cíclico fazia com que os alunos percebessem a importância do processo educativo em sua totalidade.

O autor da Toccata e Fuga em Ré Menor acreditava que nenhum esforço era demais se consagrado à música. Anna-Madalena relata que Bach muitas vezes encorajava seus alunos, mostrando que tinham todos a mesma capacidade, bastando o esforço para desenvolvê-la: "Vocês têm cinco dedos em cada mão que são tão bons quanto os meus! Dedicando-se a exercitá-los acabarão tocando tão bem quanto eu. É mera questão de aplicação." Ou genialidade?

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