CARTAS DA BEIRA DO INDICO (9)
ROMAGEM DE SAUDADE A MARRACUENE
Marracuene é aquela pequena vila, outrora também chamada de “Vila Luisa”, que se encontra situada junto da margem direita do rio Incomáti, a 30 Km da cidade de Maputo, que praticamente todos os moradores da capital conhecem. Foi nesta vila que iniciei a minha actividade profissional em Moçambique, no já longínquo ano de 1952 e quis o destino que ali me apaixonasse por uma menina mais nova do que eu cinco anos e que já me atura há 49 anos!
Ligado por tais laços àquela bonita localidade, que era o expoente máximo, naquela época, de atracção de turistas no sul de Moçambique, devido às suas belezas naturais e à rica fauna bravia daquele grande rio, nomeadamente hipopótamos e crocodilos, as raízes que nos prendem a Marracuene são ainda muito fortes, pese embora o facto de termos perdido ali todo o património imóvel angariado por meus sogros ao longo de toda a sua vida. Uma vida que acabou por terminar ali mesmo, alguns anos já depois da independência, repousando os seus corpos no velho cemitério da vila ao lado de outro progenitor, avô de minha mulher.
A parte frontal do pequeno e velho cemitério de Marracuene
Aquele pequeno cemitério passou a ser para nós local de romagem de saudade e representa para a família como se fosse um território neutro onde podemos entrar e permanecer em perfeita segurança, tal o respeito que estes locais merecem da população. Ali nos deslocamos periodicamente para tratar das três campas que o tempo vai degradando. Há muitos anos que este cemitério deixou de ser utilizado, existindo outro, de grandes dimensões, no lado oposto da estrada.
Durante as nossas visitas a Moçambique, ali nos deslocamos com a família e desta vez tivemos mesmo que fazer a capinagem periférica uma vez que a habitual limpeza que ali era feita pela Administração local por ocasião do dia dos finados (1 de Novembro), não foi feita este ano. Fomos acompanhados da filha e das duas netas, ou seja, estiveram presentes três gerações dos ascendentes que ali repousam, que são os pais e o avô paterno de minha mulher, portanto, bisavós e trisavô das descendentes mais novas.
Como é habitual, depois daquela romagem, demos uma volta pela vila, recordando os bons tempos que ali passamos e dando a conhecer às netas a história dos seus antepassados, cujas campas elas muito carinhosamente ajudaram a limpar e embelezar com flores.
Depois tiramos algumas fotos junto dos locais que mais significado têm para nós, como seja a igreja onde casamos, a primeira casa onde vivemos e junto do muro onde tantas vezes nos sentávamos quando ainda namorávamos, a admirar o rio e a planície subjacente.
Os velhos em frente da igreja (bem tratada) onde casaram em 18 de Março de 1956
Nós, a filha (Paula) e a neta mais velha (Maura), em frente da nossa primeira residência depois de casados
Com as duas netas (Maura e Dania), junto do muro sobranceiro ao rio
Uma vista do grande rio Incomati, vendo-se os vestígios da antiga central eléctrica e, mais ao fundo, o batelão que faz a travessia entre as duas margens e que é a única via de acesso à maravilhosa praia da Macaneta, ali bem perto.
Durante as visitas que fazemos a Marracuene, evitamos sempre passar em frente de qualquer das sete casas (5 lojas e 2 residências) que a família ali possuía. Procuramos assim evitar choques emocionais que naturalmente invadem qualquer cidadão que viu os seus bens desaparecerem de um dia para o outro, sem qualquer compensação, graças à chamada “descolonização exemplar” conduzida pelos senhores Mário Soares, Almeida Santos e outros “patriotas” de caca que conspurcaram o poder em Portugal no pós 25 de Abril de 1974.
As nossas netas, à medida que vão crescendo, vão-se apercebendo que os seus antepassados fizeram parte de uma história que está mal contada, sobretudo pelos extremistas (marxistas, leninistas, maoistas e estalinistas) que na altura governaram o país e que foram responsáveis pela situação desastrosa, mesmo de penúria, em que ficaram praticamente todos os portugueses das ex-colónias que se viram forçados a partir de mãos a abanar deixando para trás o produto de toda uma vida de trabalho. Mais, foram ainda responsáveis pela animosidade com que essas pessoas foram recebidas na metrópole, onde as trataram por “retornados”, uma palavra que estigmatizou de forma degradante toda essa gente laboriosa!
Quero ser bem claro, para não correr o risco de ser apontado injustamente como inimigo da descolonização, que este desabafo nada tem contra o direito que o povo de Moçambique teve à sua independência. Isto está fora de causa e esta posição tive-a sempre e mantenho-a inalterável. Com o que não concordo e tenho afirmado abertamente, é com a atitude da parte portuguesa que não defendeu os direitos dos seus cidadãos e continua a não assumir a sua responsabilidade junto daqueles que, como a minha família, perderam aqui e nas outras ex-colónias, todos os seus bens.
Maputo, 26 de Dezembro de 20004
Celestino (Marrabenta)
P.S. – Para quem tiver a curiosidade de aprofundar a história da minha ligação a Marracuene, passe pelo meu Site www.geocities.com/Vila_Luisa e aponte a seta nas “Crónicas & Narrativas” – Capº I – “Os meus primeiros contactos com a Fauna Bravia de Moçambique”