Pingos de saudades I
Tenho lembranças do teu colo mãe. Oiço a tua voz ralhando, pelas traquinices que fazia alegremente, no quintal junto às mangueiras. Onde me sentia um “tarzan” de trazer por casa, subindo e descendo daquelas frondosas ramadas. Em tempo de manga madura, ai, ai, as camisas que eu sujava… e, eu lá ouvia “-Vai já p’rá banheira que eu nem te quero ver assim… O teu pai está a chegar, e se ele te vê é bem pior… livra-te de não comeres a sopa… Hoje oiço a minha filha ralhar duma forma tão diferente: “ – Larga o computador, olha a vista, os mails p’rá Floribela acabaram por hoje… E “Morangos com açúcar” também não!!! Pois, minha Mãe, como era bom brincar no quintal, com a “Matilde” (uma cadela extraordinária) sempre por perto a tomar conta de mim. Era o ar puro, o exercício que hoje não vislumbro nos meus netos…
Tenho saudades de fazer a minha “poupa” à Elvis, vestir as calças pretas apertadas, de gola levantada e pedir-te Mãe, dez escudos para a matinée e pró geladito, ou chocoleite da cooperativa, e ir ao encontro da malta… Com a namoradita disfarçada, porque os pais poderiam estar por perto… Hoje o cinema é em casa, e os filmes que nós não podíamos ver e tinham cortes, hoje dão na televisão à hora do lanche… Oh Mãe que saudades tenho dos teus conselhos… “As meninas são para se respeitar, elas são mais preciosas que tu possas agora imaginar… Um dia, perceberás melhor…” Oh Mãe como te percebo… agora tudo se perdeu, a bem duma libertação não sei de quê… se calhar sou eu que já não alcanço as razões…
Ainda me lembro dos bailes em minha casa, nos aniversários e, quando calhava, os assaltos de Carnaval, por exemplo. Do teu cuidado no meu vestir, do teu cuidado no meu comportamento, ah pois, no respeito às meninas, no regressar cêdo… Hoje, não há hora de regresso, e nas discotecas não há coca-colas como as nossas… há outras coisas piores, que eu até nem quero saber os nomes… Os meus netos, como vai ser? A gente até educa, e lá fora se “desinduca” com mais força!
Recordo-me quando partia p’ró liceu, as tuas recomendações mãe, sempre as mesmas “Tens tudo arrumado? Tens treino? Não te aleijes… vê como falas para os teus professores… eu que saiba… A minha mãe nesta educação matriarcal, era também a extensão do meu pai, que só falava em crise absoluta, ou bastava até um olhar… Hoje leio que há professores que são espancados pelos alunos, que são insultados que…
Ah, quando eu namorava com alguma viabilidade futura os teus conselhos redobravam…” Filho, olha que algumas coisas só se fazem depois de casar…” Ai Mãe, hoje desmaiavas… isso já se faz aos treze anos em média, em Portugal, acreditando na estatística…
Quando te via pegar nos teus netos, com aquela sapiência de mãe feita avó, o amor que derramavas em cada gesto, me tranformo, e vou em frente, afinal há algo que não mudou, eu te repito.
Neste dia especial queme apeteceu recordar-te, minha Mãe, vejo-me impotente para dizer o quanto queria, mas sei que quando partiste, sofrida, quando encetaste a viagem para Ele, deixaste a semente dum amor que nunca esquecerei, e que os meus netos sentirão e também, como os seus pais, não esquecerão.
Um beijão Mãe.